sábado, 18 de outubro de 2008

O Menor amor do Mundo

"Muito da nossa surpresa diante do mundo está nas grandes descobertas contidas nas pequenas coisas ou formatos. É o projeto de árvore que está no broto. É o caso particular que traduz a lógica de um mundo inteiro. Ou o inesperado que só não se esperava porque não se olhou com a devida atenção.
É sobre esses átomos amorosos que gostaria de falar aqui, átomos como os poemas curtos e a etimologia.
Falar em poema curto é uma liberalidade. A rigor, não há poemas longos ou curtos. A duração deles obedece a uma dupla característica: ter fruição e economia. Aquilo que Octavio Paz entende por “máxima variedade na unidade”. Cada leitor interpreta o verso à sua maneira, o que um lê, outro não enxerga, pois um poema é um manancial de possibilidades. Ao mesmo tempo, o verso é enxuto, diz o máximo com o mínimo, pois não haveria melhor modo de dizê-lo.
(...)
Tendo, no entanto, a acreditar que a menor poesia brasileira seja exatamente sobre o amor. É aquela que Oswald de Andrade publicou no fim dos anos 20, com o título “Amor” seguido por uma palavra-poema, “Humor”.
Amor
Humor
(...)
Mesmo que não seja o poema mais curto, é de todo modo um achado esse encontro a sós entre amor e humor. Não só porque rimam. Têm muito em comum. Ambos só podem ser feitos acompanhados.
(...)
O amor a dois talvez não esteja num ou noutro campo, não seja alado nem alante, eros ou ptérôs, mas viva na encruzilhada, na intersecção. Luiz Jean Lauand me fez lembrar outro dia do poema curto de Nilson Machado:
Amar, verbo lenitivo
Usa-se na voz ativa
Sujeito passivo
Amar não tem sentido só passivo, muito menos ativo, ocupa o meio-campo, conjuga-se em voz média. Dizer que amo alguém é dizer o quanto me amo também. É como quem diz “eu me confesso”: no momento mesmo em que me revelo, a revelação é feita a mim também. “Não se consuma uma confissão a mim senão pela confissão ao outro”, diz Mário Bruno Sproviero. No momento em que falo a alguém, o que falo me afeta. Sou sujeito da ação e seu alvo. Sou voz média. O mundo dos deuses e dos homens numa só expressão. Amor, humor.
(...)
Talvez por isso todo mundo fale de amor com propriedade, mas ninguém sabe dizer direito o que é. Até que chega uma certa hora, o olho no olho, o peito aberto como ferida, o coração na ponta da língua. É então que 20 séculos de dúvida se dissipam, nenhuma outra palavra se revela mais precisa, mais exata. E a única coisa cristalina e inconfundível é aquilo que você só pode dizer dessa maneira e de nenhuma outra mais, esse verbo intransitivo, que é a única verdade daquele momento, a sua mais sincera verdade: “eu amo”."
- Luiz Costa Pereira Junior -